"Diante de você me coloco como numa súplica, num berro mudo, na beira da cama, joelhos em carne viva, para que segure minha mão bem forte por onde tenho receio de caminhar só nem que seja agora, por um segundo, para depois nunca mais...
(...)
Você sabe, é escuro, nenhum vento vibrante, todos querem a mim desconhecem o escrúpulo, mesmo a minha pessoa, e banalizam minha existência por motivos torpes como se me jogar ás feras servisse de alento ao sentir meu adormecer sob a tempestade. Alcançam o cume da montanha mais impiedosa sem petrificar os dedos com gelo nem o peito pressiona fincando a aventura na flâmula, mastro dilacerando a carne e tudo aquilo pelo qual um dia concentrei minhas forças.
Liberto-me agora, voluntariamente, aplaudindo ironicamente enternecida pelo bem que a mim tem feito perante cada amanhecer... "
Quando desapercebida do mundo, por vezes me indagam: "Garota, por quê não escreve mais? Nem parece que tem uma página para isso!" E nisso reflito, porém não tinha a resposta certa. Até agora.
Hoje sei que, ao triscar de cada tecla, muito vai de mim, mais até do que podia, bem além do que preciso aliás.
É o que se esconde no desvendar do texto, mesmo num medíocre feito o meu, como se um bocado de quem está aqui, prostada á frente da máquina velha, se esparramasse como plumas de um travesseiro jogadas do topo de um prédio. Não dá para juntá-las depois, elas simplesmente fogem como os parcos momentos de coragem que utilizo para expor aquilo que naturalmente as pessoas escancaram sem sentido.
Quem diria, um guardanapo de bar fez o trabalho por mim: rendeu literatura...
As lentes sujas do velho óculos empoeirados pelas letras fugazes, nitidamente despejadas num livro de histórias e procedência duvidosas, escancaram aquilo que o meu escárnio não quer aceitar.
E no emaranhado dos versos dispostos na folha amarelada o indizível se esconde como criança brincando de pique-esconde por trás da cortina transparente ao lado da poltrona furada.
Contudo, como que sob o efeito de uma droga devoro o delinear que um estusiasta lauretano escolheu para materializar o seu sonho. E descubro, aterrorizada, que a mesma insignificância usada quando da composição deste devaneio morre na ponta do lápis que atravessa o papel pelo supervisão do olhar derradeiro, seu único companheiro na marcha final. Até virar um amontoado de sujeira,
poeira poética,
manchado pela mesma cortina imaginária do meu caro amigo e falso poeta...
"Quando o apito da fábrica de tecidos Vem ferir os meus ouvidos Eu me lembro de você Mas você anda Sem dúvida bem zangada Ou está interessada Em fingir que não me vê Você que atende ao apito de uma chaminé de barro Porque não atende ao grito Tão aflito Da buzina do meu carro Você no inverno Sem meias vai pro trabalho Não faz fé no agasalho Nem no frio você crê Mas você é mesmo artigo que não se imita Quando a fábrica apita Faz reclame de você Nos meus olhos você lê Que eu sofro cruelmente Com ciúmes do gerente Impertinente Que dá ordens a você Sou do sereno poeta muito soturno Vou virar guarda-noturno E você sabe porque Mas você não sabe Que enquanto você faz pano Faço junto ao piano Estes versos pra você..."